PARA QUE SE SAIBA:
Será difícil, a quem demanda hoje esta aldeia, imaginar com alguma profundidade, aquilo que a mesma foi desde os primórdios, ou mesmo, até à época em que o Camilio, o Sete, o Batalha e tantos outros, rumaram à «Companhia do Bacalhau» em Lisboa, ou o António Pistão, iniciou o processo de emigração para França. Só os mais antigos, aqueles que contam para além dos 50 e que calcorrearam abaixo e acima, as ruas desta terra, as íngremes ladeiras do Larouco e da Lagoa, poderão ter uma ideia sui-generis, daquilo que Gralhas foi no passado «recente», já que quanto aos tempos mais longínquos, muitas dúvidas subsistem.
No
que diz respeito ao primeiro mote, posso afirmar com toda a clareza, que a
diferença é uma coisa impensável!... Naqueles tempos, não havia jornais que ali
chegassem, não havia rádio, não havia televisão. Noticias, era uma nulidade e
Gralhas um «mundo» fechado, envolvido pelas suas casas de colmo, por uma
civilização pré-industrial e comercial, tão edénico e bucólico, que a medida da
fortuna, não se fazia pelas cifras da lotaria, mas pelos alqueires de pão «colhidos»,
pelas quilos de batatas arrancados à terra, ou pela unidade «cabeça de gado»,
que cada um tinha e por quem se jurava: «nem que me desses uma vaca cum
bezerro».
Mas esse mundo morreu...
só vive, como disse, nos microcosmos dos filhos da terra, que contam para além
do tal meio século, e com eles desaparecerá para sempre... a não ser, que
alguém, dedique algum do seu ócio, a registar tanto quanto possível, vivências
passadas, velhos monumentos, costumes e tradições. Alguém, bastante inserido
nessa sociedade de antanho, pela paixão das pessoas e coisas da sua criação e
ao mesmo tempo com capacidade de confronto dessa realidade, da realidade
civilizacional de então com a de hoje. Os nossos filhos, os nossos netos, as
gerações vindouras, têm o direito de conhecer, aquilo que foi a vida dos seus
progenitores, da sua terra, dos seus costumes, e das suas tradições.
Até aos 7 anos de idade,
fui criado – com meus avós -, num ambiente familiar de puro regime patriarcal,
auferindo como qualquer outra criança, da «riqueza» da vida comunitária
produzida na aldeia. O comunitarismo, era o expoente máximo desse viver
eminentemente social. Comunidades de «patrões» e «empregados», partilhavam o
trabalho árduo, a mesma mesa, o mesmo respeito e a mesma prece ao fim do dia,
após a ceia. À volta da lareira, poderosa de calor e aconchego, que
conjuntamente com a candeia, iluminava as amplas casas, desprovidas que eram de
luz eléctrica, brotava a alegria reinante dos serões, que antecediam as longas
noites de inverno. A desoras que fosse, se alguém batesse à porta, lá tinha a
sua tijela, o seu copo de vinho, o seu naco de conforto. Cumpriam-se assim as
leis da hospitalidade, que a tradição mandava. Generosamente. Simplesmente.
Durante aqueles sete anos - e com o decorrer do
tempo, durante os periodos de férias -, aprendi a gostar do meu torrão natal,
que nunca esqueci. Vivi os trabalhos e os dias na translação anual do labor
agrícola, desde o «meter» dos fenos, às segadas, desde as carradas, às
malhadas, desde a matança dos porcos, que constituíam autênticas festas de
familia, até ao «carrar» do estrume, desde a sementeira do centeio, até ao
quotidiano cuidado com as «fazendas» (terrenos), desde a alegria de quem ama a
vida e por ela é amado, até aos «motes» (quadras de escárnio e mal dizer), tudo
numa sociabilidade intensa quase sem privacidade. Era uma riqueza imensa de
experiências de vida, em contacto com a natureza!... E para que não ocorressem
falhas, não faltavam sequer os mestres assistentes, como o João Alves ou o Lino
Lourenço, os familiares de sangue, que ensinavam por obrigação, ou até mesmo os
«homens bons» da terra que serviam como referência aos mais novos.
Através desta pequena obra, recorrendo a fontes, a
informação prestada pelos mais idosos e a todos os meios documentais de que
possa dispôr, procurarei relatar aquilo que foi, e é minha terra.
Fá-lo-ei com a paixão natural de quem aí nasceu,
sem pretensiosismos, e apenas com um objectivo: Dar a conhecer às gerações
vindouras, aquilo que foi e que é, GRALHAS, A MINHA TERRA E A MINHA GENTE.
I–LOCALIZAÇÃO E
ESTRUTURA SOCIAL
Região de Barroso |
Antes da intensificação
da cultura da batata, uma das folhas, ficava em grande parte, de poulo
(pousio). Quase todos os terrenos, envolventes deste segundo perimetro, são de
pastoreio colectivo até às sementeiras e posteriores colheitas. Os lameiros são
propriedade privada, excepto as «lamas do povo» ou do «boi», como também são
conhecidas e que outrora se destinaram à pastagem dos bois do povo. O monte
(baldios) é de pastoreio livre, quer para gado de particulares, quer para os
rebanhos comunitários.
A
aldeia de Gralhas, apresenta um modelo consistente, depurado ao longo dos
séculos, através de uma economia de subsistência, onde entroncam admiravelmente
o privado e o colectivo. Cultiva-se pouco de cada coisa e hoje praticamente, em
função das necessidades do agregado familiar. A terra, não é apenas a
propriedade, é mais a extensão vital da corrente sanguínea. Nos dias que
correm, a vida da aldeia não é o quadro de felicidade, que ocorre e pode ser
apreciado em certas épocas. Ao lado da fartura, que alguns chegam a ostentar,
moram ainda muitas dificuldades, quantas vezes encapotadas, designadamente,
durante o rigoroso inverno, quando o trabalho escasseia.
Acesso à aldeia pelo lado sul |
A
partir dos anos sessenta, muitos jovens descontentes e ambiciosos, largaram
tudo, e meteram os pés a caminho, deslocando-se para as grandes cidades do
litoral e mais tarde em muito maior número, para outros países da Europa,
designadamente para França.
Quatro
décadas depois, muitos regressaram e continuaram com a mesma vida. Envelhecidos
pelo tempo e pela vida, atravessam ainda hoje a aldeia, atrás das suas vacas,
revivendo o passado. A estrutura social, o papel da propriedade da terra, as
casas, as ruas, as fachadas, o modo de vida, o sistema de entreajuda, a noção
de tempo, os ritmos da vida, os mitos e os ritos, tudo parece pertencer já a um
paraíso perdido.
II-CLIMA
Gentes da terra |
III–GRALHAS-MINHA TERRA MINHA
GENTE
Imagem do passado |
Tratando-se
de povoações «perdidas no tempo», sobretudo se forem anteriores à fundação da
nacionalidade, a falta de documentos que autorizem a historiar com precisão,
aquilo que se pretende, é um facto, e a história de Gralhas não foge à regra.
Existem
documentos, que falam de diversas regiões de Barroso, designadamente desde a
época da ocupação romana.
Em
meados do século VI, durante o domínio dos Suevos, um dos concilios de Lugo,
fala de Salto, uma freguesia do concelho de Montalegre, ao qual Gralhas
pertence. Seis séculos mais tarde, um manuscrito de 1145, dá noticia da
existência do Arcediagado de Barroso. Por volta de 1147, um documento existente
no Arquivo Provincial de Orense (Galiza), fala da fundação do Mosteiro de Santa
Maria das Júnias, próximo de Pitões, outra aldeia, que integra o mesmo municipio.
Em
1208, uma Bula do Papa Inocêncio III, refere-se a Vilar de Perdizes e ao Couto
de Dornelas. Pela mesma data, Tourém recebeu foral do rei D. Sancho I. De 1248,
existem dois documentos, referentes ao Mosteiro de Pitões e ao Couto de Vilaça.
As Inquirições de 1258, falam de novo em Salto. A partir do século XIII, a
documentação é mais abundante.
"Tia Carneira" |
Assim,
com base na documentação disponível, em achados diversos, nas tradições, nos
costumes locais e nos testemunhos dos mais antigos, procurarei na medida do
possível, responder à pergunta: Como
nasceu Gralhas?
IV–ENQUADRAMENTO
HISTÓRICO-NATURAL
Não se conhece de fonte
segura, a origem do nome que fez jus à terra. Não se conhecem igualmente,
registos que retratem de forma fidedigna a sua origem. O que se sabe isso sim,
é que o termo GRALHAS, deriva do latim -gracula-, ave conirrostra da familia
dos corvos, que abundou na zona onde hoje se situa a aldeia.
Traje dos dias de feira-Anos 40 |
Imigrados dos anos 50 |
Poço do Cruzeiro |
Já
lá vão quase dois mil anos!... Fruto talvez e em grande parte, resultante dos
condicionalismos impostos pela interioridade, pela aspereza da região e até
pela fixação à terra de um povo saído do nomadismo pastoril, este é o retrato,
ainda que um tanto ou quanto obscuro, e quase sem história, da aldeia de
Gralhas.
V–VIDA E COSTUMES DOS CASTRENSES
Como já foi dito,
Gralhas, sempre foi uma zona de
temperaturas extremas, que se traduzem em muita chuva e neve no inverno e
elevado calor no verão. Sabe-se hoje, que na época dos Castros e no periodo que
se lhe seguiu, os habitantes das zonas, que hoje envolvem a freguesia, vestiam
uma túnica de lã ou de linho, conforme a época de Verão ou Inverno, a qual
descia do pescoço, até um pouco acima do joelho, ou ainda um saião curto, por
alturas em que o calor apertava mais.
Da chuva e
da neve, protegiam-se com uma capa negra de lã, algo semelhante ao sagum celtibérico - sendo provável e pacífico, que mais tarde lhe
fosse adaptado um capuz, da
qual resultou a ainda
existente «capa» ou «capucha» de borel, que todos nós conhecemos – e com
vestimentas, feitas com jungos, a que mais tarde se veio dar o nome de
«crossas» ou «crôssos».
A Quina Ribeira e o seu rebanho |
As populações
agrupavam-se em comunidades ligadas por laços sanguíneos, ou em tribos, quando
as desavenças assim o determinavam. Viviam em regime comunitário, perfeitamente
harmonizado e em perfeita sintonia com os direitos e obrigações, que a própria
comunidade impunha a si mesma e que o respectivo chefe geria.
VI–A PASSAGEM POR GRALHAS DOS ROMANOS...
Igreja de Santa Maria |
Deve dizer-se inclusivé,
que aquele território – ao tempo parte integrante da Callaecia -, conjuntamente
com a Asturia e a Cantabria, foi a última zona do actual território português,
a ser conquistado por Roma, nas campanhas de 26 e 25 A.C., isto é, cerca de
duzentos anos após o inicio da ocupação romana da Peninsula Ibérica.
Vista parcial da aldeia |
Estes factos, tiveram
como consequência, uma radical transformação na economia local, até então
essencialmente pastoril, transformando-a numa economia predominantemente
agrícola. A principal consequência desta transformação, resultou num
progressivo enfraquecimento do regime comunitário, que até então vigorou, o
qual apenas viria a ser restabelecido, a partir dos princípios do século V da
nossa era, quando das invasões dos povos germanos, constituídos por Vândalos,
Suevos e Alanos, no ano de 409.
A língua, as letras e os
costumes, foram outras das heranças que a civilização romana deixou por toda a
região de barroso e consequentemente por Gralhas, aos quais se pode juntar, a
actual estrutura paisagistica, assente numa economia de subsistência,
designadamente no que diz respeito às culturas agricolas, em que o gado, é a
principal fonte de riqueza da população residente.
Imagem do passado |
Casas de lavradores-Anos 60 |
Os ditos marcos, quase
todos desapareceram. Alguns, como os acima referidos, foram levados para Braga,
onde se encontram, outros, foram destruídos pelo passar impiedoso do tempo, e
outros ainda, foram até utilizados, na construção de casas ou de muros de
propriedades rurais, como é o caso de dois exemplares, do tempo do imperador
César Augusto, já do ano 44 da era cristã, que «enfeitam» a parede do forno do
povo de Sanguinhedo.
VII-...E DOS SUEVOS E VISIGODOS
Um aldeão - Finais anos 70 |
O reino Suevo, esteve
implantado em toda a Galécia, durante 176 anos, isto é, no periodo compreendido
entre 409 e 585, altura em que foi conquistado pelos visigodos. Acresce aqui
referir, que as populações da região, passavam praticamente imunes a todas as
transformações, relacionadas com problemas de identidade, a tal ponto que os próprios reis vencedores, se intitularam,
Reis dos Visigodos e dos Suevos, até à conquista muçulmana, no sécul VIII, a
que se sucedeu a reconquista cristã, que havia de conduzir, à criação do Reino
de Portugal, no século XII.
Protegendo-se do frio |
Desse «burricus», ficou o hábito, até há relativamente poucos anos atrás, das deslocações da nossa gente, por montes e vales, feiras e romarias e até no transporte de todo o tipo de cargas, que íam desde o simples «molho» do milho, até ao transporte de carvão, ou dos «odres» com vinho, que muita gente da terra, adquiria nas proximidades de Chaves.Com a chegada dos Suevos e como já foi dito, radica-se de novo o comunitarismo na nossa terra. É que ao contrário dos romanos, exímios defensores da propriedade privada, os germanos valorizavam sobretudo a propriedade colectiva, donde resultou o sistema de vida comunitária, que ainda hoje mantém alguns dos seus traços característicos, na nossa comunidade.
VIII–OS MOUROS EM BARROSO
Capa de burel tradicional |
A campanha de ocupação,
durou cerca de 7 anos e a região de Barroso, presume-se ter caído em seu poder,
por volta do ano de 716.
À semelhança do que
aconteceu noutras localidades da região, os habitantes de Gralhas, sofreram o
ódio e a perseguição mourisca. Uma vez submetidos aos invasores, julga-se terem
vivido em relativa paz com eles, pese embora, tenham sido tratados quase como
escravos. Todo o labor do seu trabalho revertia para o senhor da terra, a quem
pagavam pesados tributos. Qualquer dos naturais, estava impedido do exercício de
chefia de grupo e o lucro era proibido. Desconhece-se, se poderiam praticar
livremente a sua religião. O que se sabe isso sim, é que determinados lugares
da aldeia, como «Fental», «Queirogal», «Espinheiral» e tantos outros
semelhantes, se encontram ligados à passagem dos Mouros, por Gralhas.
IX-A RECONQUISTA CRISTÃ
Durante
a reconquista cristã da península, Gralhas, tal como toda a região de Barroso,
manteve-se integrada na Galécia. A Galécia, como já foi dito, fora uma
provincia romana, situada na esquina norte-ocidental da Peninsula Ibérica,
correspondendo nos dias que correm, à actual Galiza e norte de Portugal, e a
sua cidade mais importante e capital histórica, era Bracara Augusta, a actual
cidade dos arcebispos.
A
Galécia, dividia-se administrativamente em três «conventus»: Conventus
asturiense, Conventus Lucense e Conventus bracarense, este último, onde o
«povo» de Gralhas se integrava.
Interior da Igreja de Santa Maria |
Após
um cativeiro de 37 anos, os nossos antepassados do século VIII, respiravam de
novo o ar da liberdade e dos seus hábitos, postos em causa pelos invasores
muçulmanos.
No
meio de todas estas lutas, é bem provável, que mais uma vez, os
nossos
conterrâneos, tenham sofrido devastações e assaltos da moirama, designadamente
durante o estranho regime de correrias e incursões mútuas entre cristãos e
árabes.
X–GRALHAS NA IDADE MÉDIA
Uma jugada |
Sabe-se
que administrativamente dependia do Alcaide de Montalegre, a quem pagava, tal
como outras aldeias das redondezas, parte dos tributos da terra, que era
pertença da corôa. Tais tributos, eram devidos, pelo facto, daquela que hoje é
sede de concelho, ser ao tempo e no seguimento da organização administrativa,
que vinha do Reino de Leão, aquilo a que se chamava «Cabeça da Terra de
Barroso», onde funcionava e era organizada toda a administração civil, judicial
e militar.
A
partir de 1273, as regras tributárias dos habitantes de Barroso e por
consequência dos de Gralhas, foram significativamente alteradas. Através de uma
carta de foral, datada de 9 de Junho de 1273, atribuída a Montalegre, como
«Cabeça das Terras de Barroso», mas cuja motivação principal, era a
intensificação do povoamento e desenvolvimento agricola da região, o Rei D.
Afonso III, concedeu às populações «todos
os direitos e rendas reais, com excepção dos direitos de hoste, moeda e
padroado das igrejas, que reservava para a corôa». Impunha ao Alcaide, «...o tributo anual de 3.500 morabitinos»,
que este deveria cobrar, junto das populações das diversas aldeias que tutelava
e pagar à corôa, em três prestações: 1 de Outubro, 1 de Fevereiro e 1 de Junho.
A falta de pontualidade deste pagamento, seria penalizada com uma «multa» de 10
morabitinos, por cada dia de atraso.
Rosa Morgada e marido-Anos 60 |
Só
que tal «politica» não resultou!... A intensificação do povoamento e o
desenvolvimento agrícola pretendidos, não tiveram sucesso; muita gente morreu,
em consequência da fome e de uma grave epidemia que na época por ali passou;
procurando fugir à doença e à fome, alguns povoadores saíram das suas terras e
procuraram novas paragens, em busca de melhores meios de subsistência; outros
ainda, fugiram às acções de violência e extorção de bens, de que eram vitimas,
por parte de alguns fidalgos da «Cabeça»; a mão- de-obra era diminuta e o
desenvolvimento agricola, regrediu de forma significativa.
Mais
tarde, após tomar conhecimento de todos estes factos, o rei D. Dinis,
encarregou então, o clérigo Pedro Anes, de proceder ao estudo da situação e
encontrar as necessárias soluções, que permitissem inverter os dados referidos.
Assim e à semelhança de outras aldeias das «Terras de Barroso», foi Gralhas
contemplada, com uma Carta de Foral, datada de 20-09-1310, a qual era dirigida
aos moradores que se haviam mantido na povoação. Na dita Carta, se estabelecia
uma nova divisão dos terrenos, para serem entregues aos povoadores, cada um dos
quais, ficaria obrigado a pagar 1 maravedi de foro. Se para a divisão
efectuada, não houvesse os necessários povoadores, cada um poderia adquirir
mais de um terreno, pagando 1 maravedi, por cada unidade a mais que possuísse.
O periodo mínimo de aforamento era de 3 anos e ao fim deste tempo, o foreiro
poderia continuar na posse das terras, aliená-las, dá-las ou vendê-las, mas sempre
com a condição, de que o novo possuidor, pagasse o respectivo «imposto».
Familia dos "Carneiros" |
A
partir daqui e tendo em conta o número de forais ou cartas reais de foro,
referentes à região do Alto- Barroso, poder-se-à concluir, que como
consequência das medidas levadas a cabo, pelo rei D. Dinis, ali tenha ocorrido
um significativo desenvolvimento agricola. Os forais falam frequentemente em
«casais» (bens), que se desdobram em dois, três ou mais, e terras incultas,
transformadas em propriedades produtivas.
A
multiplicação de terras cultivadas, aumentando a rentabilidade agricola para as
populações foreiras, constituía assim, apreciável fonte de receita para os
Alcaides, que na ausência de moeda, viam muitas vezes os seus tributos serem
pagos em géneros. Gralhas não foi excepção à regra.
No tempo em que reinou D. Dinis, existiam já,
vinte e três das actuais trinta e cinco freguesias do concelho de Montalegre,
entre as quais Gralhas. No âmbito eclesiástico, como no administrativo, estava
esta região perfeitamente organizada. Os rendimentos dos povoados no século
XIV, comparados com o estado actual das paróquias de Barroso, leva-nos a
concluir, que algumas das actuais freguesias, progrediram com o tempo, enquanto
que relativamente a outras, se deu precisamente o inverso. A título de exemplo
veja-se o caso de Montalegre :Apesar de administrativa e militarmente ser
«Cabeça da Terra de Barroso», no aspecto económico, era inferior a Mourilhe,
Viade, Salto, Cervos e Mosteiro das Júnias, estando ao nível de Cabril,
Cambeses e Ponteira.
Carro de vacas - Anos 50 |
O resultado
do seu trabalho, cifrou-se no registo de 44 fogos.
Após
este, há apenas registo de novo censo na freguesia, já em pleno século XIX,
mais concretamente no ano de 1836, constando do mesmo, o registo de 66 fogos,
neles habitando 162 homens e 148 mulheres.
GRALHAS, é hoje uma
aldeia igual a tantas outras do interior. Embora com muito bons acessos,
encontra-se marcada por uma forte depauperação económica e um quase abandono,
das suas actividades
tradicionais de outrora, designadamente no que diz respeito à
agricultura e à criação de gado bovino, a que apenas vão resistindo alguns
«teimosos» da terra.
O aglomerado
populacional está concentrado e organizado em diversos arruamentos.
Caracteriza-a ainda, o imponente relevo que a envolve. A paisagem à sua volta,
merece especial atenção, em particular os imponentes picos rochosos, como o
Castelo do Romão, o Cabreiro, o Caldeirão, as Barreiras Brancas, o Corisco, e
mais a sul a não menos importante Serra da Lagoa, hoje recheada de caminhos
pedonais, que em conjunto formam autênticas barreiras naturais.
IX–A TERRA E A GENTE
Por cultura, entende-se
o modo diferenciado de estar na vida, por parte de um determinado grupo de
pessoas, num local e tempo próprio e traduz-se como é óbvio, nas influências
que emanam, dos respectivos valores, normas e crenças, que caracteriza esse
mesmo grupo. O «território» de Gralhas, está organizado numa pequena
comunidade, onde prevalece uma economia de subsistência, fortemente baseada em
valores, como o interesse colectivo a solidariedade e entreajuda, a propriedade
individual, o trabalho, as relações familiares, a ética e a religião, a que se
juntam, as reminiscências da cultura celta, nomeadamente no que diz respeito à defesa da
família, da propriedade e do entendimento da aplicação da justiça.
Pastoreando o gado |
As pastagens ocupam os
fundos e as vertentes dos vales, ou seja, as terras mais ricas, humedecidas
pelas águas, que, conduzidas por um sistema de canais rudimentares escavados na
terra, dão à erva, uma frescura constante. Mesmo nos meses mais quentes de
Verão, os lameiros, conservam um tom verde e tenro que não se encontra em
muitas outras terras de Barroso.
Actualmente, a
percentagem média de cabeças de gado bovino por hectare (15 por cada 100
hectares), não é elevada, mas mesmo
assim, dá uma ideia exacta, da importância que ainda tem, para os habitantes em
permanência, da aldeia. A criação e manutenção do gado barrosão, muito em voga
em tempos que já lá vão, dada a sua sobriedade e resistência, está de novo em
fase de crescimento. As vacas, ao fim de dois ou três anos, servem hoje em dia
e quase em exclusivo, para reprodução. Durante os meses de Verão, vagueiam em
regime livre, pela serra, enquanto que no Inverno, são recolhidas e alimentadas
nos lameiros próximos da aldeia, ou quando as condições atmosféricas assim o
exigem nas cortes (currais) dos respectivos prprietários.
Os lameiros irrigados de
Gralhas, são um dos traços mais característicos da rude paisagem de planaltos,
que envolve a aldeia. Separados quase sempre por biombos de carvalho e muros de
pedras soltas, encontram-se em geral perto do povo, embora alguns se estendam
até aos 2 ou 3 quilómetros de distância.
Por estas paragens, não
se conhecem as pastagens temporárias de semeadura, alternando com outras
culturas. Deverá no entanto acrescentar-se, que a batata, os nabos e as sobras
das culturas dos milhos, também servem para o sustento dos animais. Nos
terrenos mais secos das encostas e dos planaltos, a vegetação pobre que aí se
encontra, a custo pode servir para o sustento do gado bovino. Essas pastagens
(que por aqui se apelida de monte) não servem, em regra, senão para as cabras e
ovelhas, que ainda abundam nesta terra.
A criação de gado
caprino, encontra-se igualmente em fase de desenvolvimento e constitui
importante fonte de receita, para os agricultores. Quanto às ovelhas, são de
raça pequena ou meã e para além das crias, utilizadas para reprodução e venda,
não dão, senão uma lã de fibra curta, grosseira e de má qualidade, que
raramente é aproveitada.
Em Gralhas, todas as
vezeiras ou gádinhos (rebanhos) são comuns e guardados à vez, pelos agricultores,
segundo o número de cabeças que cada um possui e da forma que mais adiante se
explicará.
Os seus habitantes, são
normalmente, por questões hereditárias e por vocação, criadores de gado e
agricultores, muito embora com o decorrer dos tempos, tenham ocorrido algumas
excepções. O centeio, de afolhamento bienal, foi o cultivo quase exclusivo e
típico dos agricultores da terra. Actualmente está em decadência. O povo,
conserva ainda, embora de forma crescentemente esbatida, uma estrutura social
comunitária, como mais à frente se poderá igualmente constatar, através de
alguns exemplos.
X–AS CASAS
Noite de serão |
A par das casas dos
lavradores existiam ainda e em determinadas situações, as casas dos cabaneiros
(pessoas de poucas posses), estas muito mais modestas e apertadas, mas não
raramente com mais família para abrigar. Nas casas, cabiam o lar, onde durante
os meses frios era acesa a lareira, e à sua volta via-se normalmente, um
escano, uma masseira, as camas, uma pequena mesa, uma toucinheira pendurada da
trave, uma caixa de madeira de carvalho e vários molhos de lenha ao lado, que
uma dúzia de galinhas usava como capoeira.
A cobertura de colmo ajudava a conservar o calor noite dentro,
o que era fundamental particularmente em noites de frio e neve.
XI–A
FAUNA
Garranos selvagens no Larouco |
Porém, o já referido
isolamento, que caracteriza toda a zona serrana e a protecção acrescida que
deriva da própria natureza do terreno, permitiu a permanência de toda uma
variedade de animais, com especial referência para as aves, destacando-se por
estas paragens, para além da águia-real, os milhafres, a águia-de-asa-redonda,
as corujas-do-mato, os mochos, os gaios, os melros, as pegas, as perdizes e
tantas outras.
Quantas histórias e quantas lendas se poderão contar, acerca do lobo, animal que desde logo se associa ao agreste da paisagem? Perseguido por todo lado e dado como extinto em grande parte do continente europeu, esta espécie, ainda vinga por estas paragens.
Quantas histórias e quantas lendas se poderão contar, acerca do lobo, animal que desde logo se associa ao agreste da paisagem? Perseguido por todo lado e dado como extinto em grande parte do continente europeu, esta espécie, ainda vinga por estas paragens.
Cabras selvagens |
Quanto a répteis, é comum ver-se por aqui a víbora-negra, a cobra-d'água, o liscranço e o lagarto. Na parte que diz respeito aos mamíferos, predominam ainda no Larouco, alguns lobos e corços, lontras, fuinhas, coelhos-bravos, texugos, lebres, e javalis com fartura.
De entre as espécies referidas, existem algumas, que pela sua importância em termos estritamente conservacionistas - trata-se de espécies em perigo de extinção ou muito ameaçados -, pelas profundas relações que desde há muito mantêm com o quotidiano local e pelo modo como nós próprios as encaramos, merecem ser realçadas. |
XII–A FLORA
Lameiro de feno |
Estes
cumes encontram-se muito escalvados, de tal forma, que acima dos 1400 m de
altitude, subsistem apenas diversificados arbustos rasteiros, tais como,
carquejas, sargaços, tojos, pequenas urzes e fetos.
Entre
os 1400 e os 1200 m verifica-se já a existência de alguns carvalhos de
pequeno porte, alguns vidoeiros, giestas, urzes e mato das mais diversas origens.
Até
aos 1200 m a arborização é já mais densa, apresentando exemplares de grande
porte, espécies arbóreas como o carvalho, o castanheiro, o vidoeiro e o salgueiro, entre
muitas outras.
Muito mais diverso e
menos arborizado, é o revestimento vegetal da Serra da Lagoa, a qual junto ao
Rio de Meixedo, nos apresenta uma extensa área de matagal - urze, tojos,
giestas, sargaços, carquejas, muitos jungos e um carácter árido, que demonstra
a ausência de povoamento humano.
Finalmente, não se pode
esquecer que a flora do Larouco, alberga espécies botânicas do maior interesse
e que são objecto de acesa discussão, nos vários congressos de medicina
popular, organizados na região, com particular realce, para o realizado
anualmente no mês de Setembro, em Vilar de Perdizes.
Aí se recomendam para o
«tratamento» de diversas doenças, os chás de Alecrim, para o combate à asma, falta de apetite, gota, amigdalites e
obstrução nasal, de Barba de Milho, para as inflamações e infecções da bexiga,
da Flôr de Carqueja, para a tensão arterial alta, pedra nos rins, tosse,
diabetes, rouquidão e bronquite, da Erva Cidreira, para os nervos, dores de
cabeça e cólicas, do Fel da Terra, para os diabetes, das Folhas de Freixo, para
o àcido úrico, colesterol, má circulação e reumatismo, da Flôr da
Giesta-Branca, para os diabetes altos, ureia e Infecções da bexiga, das Malvas,
para as inflamações da pele e mucosas, infecções e irritações de todo o tipo,
da Tília, para o coração, sistema nervoso e insónias, da Flôr da Urze, para a
próstata, bexiga e rins e da Uva-do-Monte, para o colesterol «sangue gordo»,
trigliceridos, diabetes e inflamação da bexiga, entre tantos outras.
O Larouco visto das Lavradas |
XIII-AS ACTIVIDADES E AS ESTAÇÕES DO ANO
Carregando carros de centeio |
Após
se fazer a preparação da terra com várias lavouras, entre as quais, as chamadas
decruada, aricada e o agradar das leiras, a semente da batata é então lançada
nos regos e a terra lavrada em sulcos; isto nas leiras maiores e mais planas,
porque nas mais pequenas e inclinadas o trabalho é feito manualmente à enxada.
Até
ao meio do século passado, feitas as sementeiras da Primavera, ranchos
numerosos de aldeões, debandavam rumo à Galiza, para as «segadas», e
deambulavam de terra em terra, até chegarem de novo à aldeia, no momento justo
em que os centeios e fenos estavam prontos para a ceifa e o corte.
Inicio da "carrada" |
Em
pleno mês das segadas, os fenos eram cortados pela manhã fresca, pela força
muscular dos segadores, cada qual empunhando a sua gadanha. Era um trabalho duro.
Faziam-se carreiros de erva e também de suor, que corria em fio, pela face dos
segadores. A sua alimentação era «cuidada», e para além das fatias de pão,
embebidas em vinho com açúcar, comiam do melhor que a casa tinha.
O
feno era depois espalhado e virado para secar ao sol. Se o tempo estava de
feição, em dois dias ficava pronto para ser engaçado e levado para os
palheiros. Se sobrevinha a chuva era um prejuízo quase total. As ervas perdiam
o seu valor alimentar e praticamente só ficavam as fibras sem valor
nutricional.
Em
Gralhas, as segadas do centeio, eram também feitas com ranchos «de fora», isto
é, a pagar, ou mais frequentemente, em resultado de uma entreajuda de vizinhos,
com retribuições mútuas de dias de trabalho. Juntos os molhos em pequenas
«medouchas» e atingido um certo nível de secagem, o centeio é transportado para
as eiras onde se ergue uma ou várias grandes medas. A eira é então preparada
para a malhada. Recolhe se a «bosta» de vaca em grandes quantidades, é
dissolvida em água e espalhada pelo terreiro. Depois de sêca faz o efeito de um
«asfalto» acastanhado. Antes das máquinas de malhar esta tarefa era efectuada a
malho e nas casas «ricas» chegava-se a prolongar a malhada, por mais de uma
semana. Hoje as ceifeiras debulhadoras fazem todo o trabalho de modo rápido e
eficaz, mas retiram também às aldeias os mais belos e intensos momentos de
convívio e sentido de grupo.
Depois
de darem a volta à chave do palheiro e feitas as sementeiras de Outono, sobre
os agricultores de Gralhas e às portas do Inverno, recaíam novas
preocupações!... Havia que limpar então os regos dos lameiros, recompor as
tornas e endireitar as paredes caídas dos terrenos.
Entretanto
as «matanças» aproximavam-se. O porco funcionava e funciona ainda, como um bem
natural, que se vai transformando ao longo do ano. Nos dias anteriores à
«matança», tudo é preparado ao milimetro!... Homens e mulheres necessárias,
cordas, palha para queimar, matador, lavadeiras das tripas, cozinheiras, banco
para assentar o porco, alguidar para o sangue e tudo o mais que seja
necessário.
Chegado
o momento, vive-se então um reflexo profundo e antigo da festa da mesa e da
repartição do produto do trabalho, que é garantia da sobrevivência da família,
tal como desde os mais remotos tempos dos Castros. Assaduras, chouriças,
chouriços, rojões, pás, presuntos, cabeças e queixadas, são um não mais acabar
de iguarias, que vão fazer os prazeres da mesa, durante todo o ano, até à
matança seguinte.
Uma malhada em movimento |
O
sistema social e económico da freguesia, revelou um grande equilíbrio e
consistência até ao aparecimento da cultura intensiva da batata e
posteriormente ao abandono em massa da terra, a caminho das grandes cidades e da emigração. Em Gralhas, tal como em outras
freguesias das redondezas, os «ricos» são todos parentes. Há exemplos, que são
conhecidos, que nos mostram, que determinados casamentos eram quase como que
«contratados» e levados a cabo, normalmente entre casas das mesmas posses. Nos
finais do século XIX e início do século XX, acontecia mesmo, o filho mais velho
casar em casa, e os irmãos tenderem a ficar solteiros para que esta não fosse
dividida. Depois, aconteciam os desmandos «amorosos», que tinham como testemunho,
os filhos nos braços de pastoras e filhas de cabaneiros, os quais, só muito
raramente ou por serem forçados a tal, chegavam a ser reconhecidos pelo pai.
O regresso do Gádinho |
XIV-PATRIMÓNIO CULTURAL
Organização Social e comunitarismo
A organização social, o clima e a morfologia do
solo, condicionaram claramente e desde sempre, as actividades rurais da
população de Gralhas, que viveu durante anos, entregue às suas tradições mais
antigas, algumas das quais perduraram
até hoje.
Essa
assembleia, chamava-se Junta, Acordo, ou Conselho e foi herdeira do antigo conventus publicus vicinorum (assembleia pública dos vizinhos) do
reino visigótico. Era nessa «assembleia» que se analisavam até à exaustão, os
problemas que a todos diziam respeito, e se decidia, por vontade expressa da
maioria, as soluções a adoptar.
A
Junta era a mais perfeita expressão da Democracia Popular.
Essa
assembleia, foi dirigida até aos primeiros anos do século XX, por um «Juiz»,
«Zelador», «Juiz de Vintena», «Procurador», «Mardomo» ou «Chamador», e a partir
daí, até meados dos anos setenta da mesma era, pelo Regedor ou Presidente, o
primeiro escolhido pelo povo da aldeia e o segundo pelas corporações
concelhias, afectas ao regimo tatalitário da II República.
Os
Regedores nomeados, eram pessoas respeitadas da aldeia e totalmente
independentes das autoridades administrativas oficiais e quando da escolha,
tinham a obrigatoriedade de permanecer no cargo, por um periodo minimo de 6
meses. Não eram remunerados, nem tinham qualquer tipo de previlégios pelo seu
desempenho. O último Regedor da freguesia, foi António Fernandes Chaves, mais
conhecido pelo «Pistão».
Lavrando a terra |
Após a verificação das
presenças, apresentavam-se então os assuntos a tratar. Todos em conjunto, ou
individualmente. Eram calorosamente discutidos, chegando-se sempre a uma
solução prática, de acordo com a vontade expressa da maioria. Em caso de
empate, cabia ao «Juiz» tomar a decisão.
Eram
muitos e variados os assuntos que se apresentavam à «assembleia» e esta tinha
obrigatoriamente de encontrar soluções, para cada caso concreto,
designadamente, no que dizia respeito à reparação e abertura de caminhos,
organização da vida pastoril, distribuição das águas de rega, locais de roça,
limpeza das igrejas e das poças, carretos para o povo e tantos outros trabalhos
necessários à comunidade.
Esta tipo de organização durou séculos e passou de
geração em geração através dos usos e costumes da terra.
Capela de Santa Rufina |
Estas reuniões, eram «presididas» pelo Presidente
ou Secretário da Junta, a quem competia colocar as questões em discussão e
avaliar as respectivas votações. À semelhança do que acontecia no passado, nada
ficava escrito e o registo das decisões tomadas, ficava no subconsciente de
cada um, que as acatava.
Actualmente, este método caíu quase em desuso. O
Conselho Dominical, poucas vezes vai a votos e foi substituído pela moderna
Assembleia de Freguesia. A coberto de tal modernidade e amiudadas vezes, os
senhores Presidentes cedem à tentação fácil de decidir, sem ouvir o povo e de o
informar, preferindo afixar papéis em determinados locais, que poucos se dão ao
trabalho de ler.
XV–A DECADÊNCIA COMUNITÁRIA
Recolha dos molhos após segada a leira |
O comunitarismo tradicional, resultou assim, da
necessidade de conjugar esforços, para mais facilmente se atingirem os fins
desejados. E não apenas em termos laborais, ou de preparação de festas. O povo
de Gralhas, impunha igualmente as suas regras, através do seu «Conselho
Dominical», reunido aos domingos após a respectiva Eucaristia. Aí, onde eram
transmitidas as «ordes» (ordens), aprovavam-se posturas, para garantir o
respeito pelos bens e direitos comuns e pela propriedade privada, para permitir
ou não, a seiva dos gados nos terrenos abertos que estavam de restolho, para
arrendar os baldios, as côrtes e os palheiros, para impôr a realização de
determinados trabalhos, para restaurar, limpar e pôr em funcionamento as
infra-estruturas para uso da comunidade, designadamente, caminhos, represas,
forno do povo, moinhos, lama-do-boi, igreja, cemitério, poças e regos-da-água
entre outras.
Um gádinho |
Hoje, as novas técnicas simplificaram a satisfação
das necessidades de cada agregado familiar e por isso, a necessidade de
entreajuda e de partilha de recursos, foi-se diluindo progressivamente.
Praticamente, tudo é feito de forma mecanizada e comercializada, e o
comunitarismo, apenas resiste em pequenas franjas da população da aldeia, muito
embora muitos dos «rituais», se mantenham vivos. Nos dias que correm, a desertificação da aldeia é um dado adquirido. Nada foi feito, para inverter esta tendência e as familias, que aí se mantêm e que persistem na sua labuta, são normalmente auto-suficientes.
OS MOTES, OS MESES
DE INVERNO E DE INFERNO
Como já foi referido, em
finais do mês de Dezembro ou princípios de Janeiro, já em pleno e rigoroso
Inverno, que por estas paragens, é ainda hoje conhecido e de que maneira pela
sua longa «duração», tinha lugar a primeira sementeira da época agrícola que se avizinhava: a sementeira do centeio. Era um corropio de carros atrelados às juntas de vacas, chiando rua abaixo, rua acima, num corropio, cujo lema final era o transporte do esterco (estrume dos currais do gado), para as leiras (terrenos), que depois de podre e bem curtido, servia para adubar as respectivas terras.
Daí até à proxima etapa – a segada -, era tudo uma questão de paciência e fé em Deus. Por um lado, porque desde que as sementes eram lançadas a terra, até ao momento de colher os frutos, «nada mais» era necessário fazer, pelo outro, porque se rezava aos Santos, para que o as neves ou as geadas, muito comuns por estas bandas, não fossem tão abundantes, que viessem pôr em causa o sustento de muitas familias.
Daí até à proxima etapa – a segada -, era tudo uma questão de paciência e fé em Deus. Por um lado, porque desde que as sementes eram lançadas a terra, até ao momento de colher os frutos, «nada mais» era necessário fazer, pelo outro, porque se rezava aos Santos, para que o as neves ou as geadas, muito comuns por estas bandas, não fossem tão abundantes, que viessem pôr em causa o sustento de muitas familias.
-OS MOTES
Neste
periodo de maior lazer, em parte provocado pelo frio, pelas chuvas e pelas
neves, era então chegado o Entrudo, época de Caretos e de Motes, que a
juventude muito apreciava.Mas se os primeiros não constituem qualquer novidade,
o que eram efectivamente os Motes?... De que tratavam?...
Os
Motes, eram quadras de louvor, escárnio ou maldizer, de origem pagã, nascidas
nos alvores da nacionalidade, e um tipo de poesia, galaico-portuguesa, que
constituíu sem qualquer dúvida, um dos fenómenos culturais mais ricos da Idade
Média e se prolongou na aldeia de Gralhas, até aos finais dos anos sessenta do
passado século. Eram enfim, um momento único de louvor ou de critica aos
aldeões, tendo sempre como pano de fundo, a satirização da sua conduta, das
boas ou das más acções praticadas, durante o ano que os antecediam.
A apologia do galo |
Os
textos das quadras, que poderão eventualmente ser chamados de intervenção, eram
lidos por dois «trovadores» previamente escolhidos, pela juventude da aldeia,
que em conjunto com os anotadores (autores), as escreviam antecipadamente e em
total segredo, durante os serões das longas noites do inverno, de modo a que no
momento certo, constituíssem autêntica novidade. O texto no seu todo,
contemplava, uma a uma, todas as familias da aldeia, e em geral, cada duas ou
três quadras, eram dirigidas em exclusivo e em forma de louvor ou critica, a
determinada familia ou membro da mesma. O amor, a vaidade, a ganância, a
inveja, a falta de solidariedade, a critica pessoal, as «casamenteiras» e os
«compadres», aliados à veia cómica, lirica ou satírica estavam sempre
presentes.
Por
vezes, determinadas criticas, não eram muito do agrado de quem as ouvia,
designadamente, quando as mesmas lhe «batiam à porta», ou mesmo, quando através
da sua leitura, se punham a descoberto, «amores proibidos», «negócios
fraudulentos», «comportamentos hereges», «falta de dignidade e honradez» ou se
ridicularizavam os comportamentos menos abonatórios das pessoas visadas.
Leiras de centeio |
Uma
vez instalados e em jeito de leitura feita ao desafio, os trovadores, só
interrompidos pelas palmas dos presentes, faziam a apologia do galo. Realçavam
as sua cores, o seu tamanho, o tamanho da sua crista e dos seus «tomates», a
sua elegância e altivez, o modo como cantava, tudo isto intercalado com
comparações satiricas, a determinadas pessoas presentes na concentração.
Aqueles que não resistiam, abandonavam o local a resmungar, em sinal de
protesto, mas tudo isto fazia parte da «festa»...
Segando o feno |
No
final da sessão, surgiam os comentários de concordância ou discordância, com o
desfolhar das criticas. Discutia-se, a «qualidade» dos Motes, se tinham sido
bons ou maus, se tinham sido melhores ou piores que os do ano anterior!...
Discutia-se o «ataque» que fora feito ao fulano A, quando quem tinha a ver com
o assunto, era o B. Discutia-se a inoportunidade de desvendar determinado
segredo, quando outros, deviam vir para a praça pública, enfim... todo um rol
de questões, que eram tema de conversa, nos três ou quatro dias que se seguiam.
Quanto
ao galo, agora sim... via chegada a sua hora, de fazer as delicias de quantos
tinham contribuído para a festa. Anotadores e trovadores, reúniam-se em casa de
um deles e após a respectiva «janta», comemoravam pela noite dentro...
-TRÊS MESES DE INFERNO
Labuta
essa, que tinha inicio em finais do mês de Junho e se prolongava até aos últimos
dias de Setembro, motivo pelo qual, muitos apelidavam este periodo, de «três
meses de inferno», assim conhecido, pela abundância de trabalho, que havia
nesse espaço de tempo.
Era o corte do feno nos
lameiros, o seu transporte para os palheiros, a segada, a malhada, a arranca da
batata, entre outros que amiudades vezes íam surgindo e que era necessário
ultrapassar.
-AS SEGADAS
Leira de centeio |
Os convidados, constituídos normalmente por
familiares e amigos próximos, precaviam-se com gadanhos (foices) novos, que
adquiriam normalmente em Espanha e apresentavam como autênticos troféus. Face
ao previsível número de «pousadas (número de molhos) a colher», era necessário
calcular o número de pessoas necessárias, de entre seitoiras (segadores) e atadores,
para que tudo decorresse, entre um, dois ou o máximo, três dias, tanto mais que
havia outros vizinhos em «fila» de espera.
Chegado
o dia, era um «ver se te avias»!... Desde o nascer ao pôr do sol, apenas com
interrupções para o mata-bicho (pequeno-almoço) e jantar (almoço), os quais
tinham lugar em determinada leira (terreno) previamente definida, os segadores,
percorrendo fazenda a fazenda, erradiavam uma alegria constante!... Faziam-se
«apostas», discutia-se o número de regos (sulcos) que cada um segava, quem era
o melhor segador, quem atava melhor, «arranjavam-se» namoricos e no final, o
momento esperado:
Amedouxando o centeio |
Seguia-se
a ceia (jantar), que normalmente se prolongava até altas horas!... Aí
esgrima-se de tudo um pouco... Se a leira «A», dera muito pão (centeio) ou
pouco; se a leira «B», tinha dado mais pousadas ou menos, que o ano passado; se
determinada leira do fulano «A», é melhor que a do fulano «B», enfim... todo um
corropio de assuntos, cujo pano de fundo, era sempre o mesmo... a competição
entre lavradores.
Finalmente
e após mais alguns «copos» para retemperar as energias, era chegada a hora da
deita...
É
que no dia seguinte, repetindo-se o figurino, o «patrão» dava em «empregado»...
e havia que levantar cedo.
-A CARRADA
-A CARRADA
-AS MALHADAS
Até meados do século XX
e tal como na sega do feno, do centeio, nas carradas ou nas malhadas, tudo era
feito manualmente. Neste caso concreto, eram necessários para malhar, pelo
menos oito homens, quatro de cada lado e cada qual utilizando o seu malho
(mangualde).
O
centeio que ficava no chão, era tirado pelas mulheres, com uma vassoura,
normalmente feita com ramos de giesta, até ficar limpo. Além disso, era ainda
ajoeirado ao vento e só depois transportado em sacos, para as caixas (arcas).
Não
se pense contudo, que este era um trabalho fácil!... Apesar de não parecer, era
tão árduo como a própria sega do feno, ou a segada do centeio. É que antes da
malhada propriamente dita, havia todo um conjunto de afazeres, que não sendo
fáceis eram de todo em todo bastante desagradáveis, senão vejamos: A eira, era
devidamente varrida, e mais que uma vez. Posteriormente, era recolhida na
aldeia e zonas limitrofes, bosta (fezes) do gado, com a qual era barrado o
recinto, até agarrar bem. Esperava-se que a dita bosta secasse, e só então,
estavam reunidos os requisitos necessários, para dar inicio à malhada
propriamente dita.
A
partir dos anos 60, do mesmo século XX, este método foi-se alterando
progressivamente e as malhadas, apesar de continuarem a fazer-se nas eiras, tal
como no passado, eram já feitas, com o auxilio de «malhadeiras» (máquinas), que
com o decorrer do tempo, se foram tornando mais sofisticadas.
XVI – EXEMPLOS QUE RESISTEM
-A VEZEIRA OU GÁDINHO
Um gádinho |
Os
pastores, são os próprios proprietários dos animais, que se revezam na sua
guarda. A regra é simples: por cada 10 animais ou menos, que possuam, terão de
dar um dia de trabalho à comunidade. Se o número de animais ultrapassar a casa
das dezenas em 5 ou mais, até aos 9, a esse dia ou dias de trabalho, é
acrescentado mais meio dia, o qual é normalmente prestado, quando a soma dos
meios dias, perfizer 1.
-AS
CHEGAS OU LIADAS
As «Chegas» ou «Liadas»
de bois, são uma antiga tradição das terras de Barroso e em particular da
aldeia de Gralhas, por onde passaram muitos campeões e onde nos dias de hoje,
pese embora as mudanças ocorridas, são ainda levadas muito a sério.
Uma chega |
Quando o animal chegava à idade adulta (cinco ou seis anos) tornava-se no orgulho da aldeia, sendo porisso, motivo de acesas discussões entre os habitantes de povoações vizinhas, com cada um a defender a maior pujança do seu animal. Estas discussões, terminavam irremediavelmente numa luta entre os animais - as chamadas «Chegas» ou «Liadas» - que visavam distinguir o campeão.
O principal protagonista, era sempre o «boi do povo». O «boi do povo» era um bem comunal e alimentava-se normalmente nas lamas (pastos), que pertencem ainda hoje a toda a comunidade. Por vezes, fazia-se alguma batota!... Como funcionava? Antes da «Chega» aprazada, promovia-se um confronto preliminar entre os dois contendores, feito sempre às escondidas e normalmente em noites de luar. Para que isso acontecesse, o «boi do povo» de uma aldeia, era raptado, uma tarefa nem sempre fácil, quer pelos cuidados que cada pastor e a respectiva comunidade colocava na sua guarda, quer pela bravura do próprio animal, que geralmente se tornava agressivo face a desconhecidos, quer ainda, porque perante uma situação desse tipo e caso o raptor ou raptores fossem detectados, se sujeitavam a ser severamente maltratados, ou mesmo mortos, já que era colocada em causa, a honra e a dignidade dos intervenientes. Há mesmo exemplos, cujas marcas deixadas, são profundas.Em alguns casos porém, havia a conivência entre os tratadores das duas aldeias, que decidiam confrontar os animais para atestarem se estavam prontos para poderem realizar a «Chega» pública, de forma a que esta não resultasse num fiasco. Caso o resultado fosse positivo, estavam então reunidas as condições para a realização do confronto, o qual devia ser acordado seguindo um certo ritual: os «rapazes» - mais maduros e badolas - de uma aldeia dirigiam-se, geralmente ao domingo, à aldeia que pretendiam desafiar.
Gado barrosão |
O
passo seguinte dependia da aldeia desafiada, tanto mais, que a decisão a tomar,
fazia parte da tradição comunitária, o que significa, que dependia da
realização de um escrutínio, normalmente feito de braço no ar, no domingo
seguinte, à saída da missa e após a comunicação do desafio, feita pelo
Presidente da Junta. Neste escrutinio, era sempre exigida uma maioria absoluta,
caso contrário, gorava-se a hipótese da realização da «Chega».
Se
o desafio fosse aceite, os responsáveis das duas aldeias, iniciavam então os
planos para a realização da festa, que devia acontecer em data aprazada,
passado que fosse um periodo, que oscilava entre os quatro e os seis meses e a
meio caminho entre as duas povoações.
A
escolha do terreno, era também motivo de discussão, já que apesar da «Chega»
ter obrigatoriamente de se realizar em terreno neutro, o tipo de piso era muito
importante para o desenrolar do confronto. As técnicas eram as seguintes: Os
proprietários de um animal jovem, tentavam que a escolha recaísse sobre um piso
duro, enquanto que os donos de um animal mais velho tentavam assegurar um piso
mole, menos desgastante para o seu boi, que geralmente era mais pesado. O meio
termo, acabava quase sempre por prevalecer. Outro dos assuntos a negociar,
prendia-se com os cornos do boi!... Havia que se decidir, se as suas pontas se
afiavam ou não, se podiam ser introduzidas pontas de aço, ou até o enxerto de
pontas de cornos, quando o animal estava mal servido delas. Posteriormente e
após a «celebração do acordo» ocorriam ainda muitos outros rituais, tais como
rezas, superstições, saberes ocultos e mezinhas, que poderiam contribuir para
um desfecho favorável. Até as mulheres levantavam saias e saiotes vermelhos,
para incitar o boi.
Definido
então o local da «Chega» e as condições em que a mesma iria decorrer, era então
necessário, tratar da respectiva autorização junto das autoridades concelhias,
bem como da presença de alguns Guardas no local da contenda, como forma de
prevenir potenciais desacatos, o que nem sempre era conseguido, face à emoção
gerada em torno de cada um dos animais. Quanto às despesas, que daí resultavam,
eram normalmente suportadas, em partes iguais, pelas partes envolvidas.
Chegado então o dia aprazado, os dois bois são conduzidos ao local do "combate", pelos seus tratadores munidos de varapaus, onde são colocados frente a frente. Invariavelmente, o campo de "batalha" está a abarrotar de gente, quer se trate de pessoas oriundas das aldeias dos bois em presença, quer de curiosos de outros lugares das cercanias, que vibrando com acontecimentos deste tipo, acorrem ao chamamento de uma festa ímpar na região e que toca no subconsciente de homens, mulheres, jovens e menos jovens. Uma
vez na presença um do outro, os animais «medem-se», sob o olhar atento do
público presente, que de imediato toma partido, apoiando o seu favorito. Este é
o momento em que se destacam os incitamentos das duas comunidades em confronto,
que se revêem nos seus «bois do povo».
Os
dois possantes machos rapidamente se enfrentam. Segue-se uma luta indescritível
de jogos de cornos e marradas, corpos a vibrar até ao extremo, luta sangrenta
de carreiros de sangue na disputa, que vai marcar a distinção entre vencido e
vencedor. Por alguns momentos descansam, voltam a investir, afastam-se, voltam
a lutar, entrelaçam de novo os seus cornos uns nos outros e empurram-se
mutuamente e com violência, mostrando cada qual a sua força e a sua bravura.
Pastoreando gado barrosão |
O seu final pode acontecer quando um dos bois abandona o «combate» fugindo em
debandada, o que significa o assumir da derrota, ou quando um dos animais é
irreversivelmente ferido pelas investidas do seu opositor.
Para os habitantes da
aldeia vencedora, os momentos que se seguem são de euforia, quase de glória. O
seu boi passa a ser quase venerado. O vencido segue em silêncio, a caminho do
talho. Dos tratadores e de quem os acompanha ouvem-se, por vezes, vozes roucas
a desabafar, numa raiva incontida: «o boi perdeu, os homens ...veremos». As cenas
de violência nem sempre são evitadas, mas felizmente são cada vez mais raras.
Esta
tradição, já não é hoje o que era dantes. Apesar dos habitantes destas Terras
do Barroso, continuarem a vibrar e a manifestar grande entusiasmo com as
«Chegas», o boi do povo, já não existe mais e aquilo que resta, são as
«Liadas», comercializadas a troco de alguns euros, levadas a efeito por alguns
proprietários individualmente considerados, que fazem desta actividade, o seu
«ganha-pão». Dos tempos de outrora, resta a nostalgia.
XVI - PATRIMÓNIO ARQUITECTÓNICO
-FONTE FRIA
Desconhece-se a época da
sua construção, embora haja indicadores, que apontam os meados do século XVIII,
como data previsível. Nela brota, uma das melhores águas da aldeia, tendo a particularidade
de ser gelada em pleno verão e mais macia, durante os rigorosos invernos, que
por aqui marcam presença.
-IGREJA PAROQUIAL
Igreja de Santa Maria |
Embora tratando-se de um documento sem data, pela caligrafia e ortografia,
verifica-se ter sido manuscrito, no início do século XVI, razão pela qual, a
Igreja terá sido construída no antecedente.
A
esta aldeia e à sua Igreja, se refere também o respectivo Vigário, Francisco
Affonso dos Santos, que sob o testemunho do Vigário de Santo André de Vilar de
Perdizes, Agostinho Alvares e do Reitor de São Miguel de Vilar de Perdizes,
Miguel do Couto de Oliveira, quando em 20 de Março de 1758 e em resposta a uma
ordem emanada do Muto Reverendo Senhor Doutor Vigário Geral, para que lhe desse
conta do que havia nesta freguesia, lhe respondeu o seguinte:
1-Esta
freguezia de Santa Maria de Gralhas está sita na província de Trás dos Montes
no Arcebispo de Braga Primaz, da comarca de Chaves, eclesiástica e do secular
de Bragança e o hé do termo da vila de Monteallegre.Hé freguezia matriz.
2-Hé beneficio simples, anexo a hua tercenaria na
Santa Sé Primaz.Hé toda de Roma e do ordinário conforme ao mês da sua
bacatura.O beneficiado que existe hé José da Silva Duarte.
(...)
6-A
paróchia está dentro do lugar no meio da povoaçam (parte) do Nacente e nam tem
mais lugares.
7-Seu orago hé Nossa Senhora dÀssumpssam.Tem três altares hum principal e dois colaterais, o principal tem o Santíssimo no sacrário e Santo António e o Santo Nome de Jezus e o colateral da parte direita tem Nossa Senhora dÀssumpssam e o da parte esquerda tem Nossa Senhora do Rozário.Nam tem naves, nam tem irmandades.
8-O párocho hé vigário ad nutum aprezentado pelo beneficiado deste beneficio.Terá de renda cem mil réis pouco mais ou menos hum anno por outro. É uma das mais belas igrejas da região.
-CRUZ DOS CAMPOS E POÇO DA LUÍSA
Originariamente, a cruz que se vê na foto, não se encontrava no interior do poço (tanque). Encontrava-se isso sim, no cimo de um morro ali existente e era um Monumento de Fé Cristã, de saudação e homenagem aos mortos e às «Almas», sendo formado por quatro partes distintas:
Cruz dos Campos e Poço da Luísa |
a)-Uma plataforma com 2 degraus de acesso;
b)-Uma base assente na
plataforma, servindo de apoio à coluna;
c)-Uma
coluna na vertical, com alguns remates decorativos, entre os quais se notam, um
cálice, uma hóstia e uma escada com dez degraus, representando os Dez
Mandamentos;
d)-E
uma coluna na horizontal.
Mas
esse local, não serviu apenas para os fins acima referidos. Porque violavam a
lei de Deus e dos homens, durante séculos, os malfeitores da aldeia, foram ali
castigados e expostos ao sarcasmo e à irrisão pública da povo. Os açoutes, as
mutilações e outros castigos infligidos aos transgressores da lei e aos
perturbadores da ordem, visavam a defesa comum dos aldeões e contribuíam de um
modo eficaz para o saneamento moral dos habitantes.
Quanto
ao Poço da Luisa, o seu lugar original, era junto à chamada casa do
«Americano», isto é, cerca de 40 metros para sul do local onde hoje se situa.
Foi construído no tempo do Estado Novo, mais precisamente no ano de 1945 e nada
tem a ver com a Cruz colocada há cerca de duas dezenas de anos no seu interior.
-CASA DO SEMINÁRIO
«(...)
Por todos estes motivos, que têm sido longamente e seriamente ponderados e
amadurecidos no nosso espírito, pomos termo, ao findar do ano lectivo corrente,
ao pequeno seminário de Gralhas (...)».
Foi
com estas palavras, que D. João Evangelista de Lima Vidal, o primeiro Bispo da
Diocese, decretou, em 28 de Fevereiro de 1925, o encerramento do Seminário de
Gralhas, extinguindo o legado do fundador do mesmo.
O
Seminário, que funcionou durante cinco anos, desde Janeiro de 1921, até ao fim
do ano lectivo de 1925, resultara de uma doação feita pelo Padre João Álvares
Fernandes de Moura, natural desta freguesia, onde nasceu em 09-07-1848 e senhor
de grandes propriedades na terra. Apesar de aí não viver permanentemente, o
Padre Moura, era um apaixonado da aldeia, a qual visitava com frequência, sendo
inclusivé, um grande benemérito da igreja paroquial. Contam os mais antigos,
que tudo o que de bom aparecesse em Braga, o Padre Moura logo adquiria para a
Igreja da sua terra, que por isso mesmo, foi, até há pouco tempo, uma das mais
ricas em paramentos, cálices e alfais.
Pelo
Seminário de Gralhas, passaram dezenas de alunos, os quais após o seu
encerramento, partiram para Braga. Esta casa, serviu ainda como escola
preparatória, para muitos outros jovens que se prepararam para a vida,
incluindo os rapazes da terra, muitos dos quais, aprenderam ali a ler, escrever
e contar.
Passados que foram mais
de 75 anos, em que a Casa do Seminário esteve transformada numa normalíssima
casa de habitação agrícola, hoje, após uma fantástica recuperação, levada a
cabo pelos actuais proprietários, é o ex-libris da aldeia, funcionando como
Casa de Turismo Rural.
-QUEM FOI O PADRE MOURA? Para além de
ter sido, o mais notável dos homens de que há memória em Gralhas, o Padre Moura
foi uma das figuras marcantes de todo o Barroso, senão mesmo do país. Nasceu
como já se disse, nesta freguesia, em 09-07-1848, onde fez a instrução primária
em 1861. Cursou Português e Latim em 1862, Francês e Latinidade em 1863,
Filosofia em 1864, Oratória em 1865, Geometria e Geografia em 1867. Estudou
Teologia no Seminário Conciliar de Braga de 1868 a 1870. Em 1871 recebeu a
ordenação sacerdotal. Começou a sua vida paroquial na sua própria aldeia no ano
de 1876. DE 1878 a 1920 foi Procurador e Secretário do Seminário de Braga,
tendo em 1921 regressado de novo à sua terra, onde veio a falecer em
22-09-1920, não sem antes deixar a marca da fundação do Seminário. Apesar da
sua notabilidade e interesse pela terra, parece ter sido esquecido, como provam
as recentes designações de topónimos da aldeia.
-CAPELA DE SANTA RUFINA
Capela de Santa Rufina |
É um cartão de visita da aldeia. A sua construção
remonta ao Sec. XVIII, tendo sido levada a cabo com dinheiros do Padre António
Gonçalves Calado, natural da freguesia e senhor de grande fortuna. Este pároco,
que durante muitos anos viveu no Rio de Janeiro, aplicou ainda parte dos seus
bens, numa fundação do vínculo de Nossa Senhora de Belém, a qual tinha sede
nesta mesma capela.
Entre
as obrigações inerentes a esta fundação, contavam-se a celebração de uma missa
diária, a criação de uma escola primária e a manutenção do respectivo
funcionamento.
Durante
muitos anos, quase foi votada ao esquecimento e actualmente após algumas obras
de beneficiação, levadas a cabo por um benemérito da aldeia, começa a servir de
capela mortuária.
RELÓGIO DE SOL
Relógio de Sol |
Sto. Agostinho, numa observação filosófica, dizia que o tempo não é outra
coisa senão extensão. Partindo deste pressuposto, a vida só pode ter sentido se
devidamente articulada com a continuidade do tempo.
Os relógios de sol, foram então feitos, para facilitar a orientação e gestão
das actividades pessoais e profissionais.Estas peças são fruto da arte escultórica do povo. Medir o tempo, era a sua
principal função. A sua cambiante decorativa e figurativa, era minuciosamente
trabalhada para constar nas fachadas principais das casas. É provável que só as
famílias com algum poder económico tivessem direito a um relógio deste tipo,
sinal de uma modesta ostentação.
O relógio existente na Casa do Seminário de Gralhas, é um exemplo vivo
dessa realidade, e apresenta uma configuração geométrica que data do século
XIX, compreendendo uma espécie de mostrador de horas, motivos vegetalistas em
baixo relevo e figuras peculiares, que conservam ainda laivos da sua
policromia.
O ponteiro era em metal (ferro) e estava cravado no centro do mostrador,
donde uma série de linha rectas (incisões gravadas) divergiam em direcção ao
limite (bordadura) do referido mostrador. A sombra provocada pelo ponteiro ia
girando e indicando as horas, em consequência do movimento da terra.
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Borralheiro - Montalegre, Memórias e
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Zé Chaves - OAs Liadas em Barroso
Zé Chaves - OAs Liadas em Barroso
Zé Rato - As Liadas
em Barroso;
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